Relógio atrasado

O Globo publicou uma matéria sobre um estudo divulgado ontem que aborda a comparação entre o desenvolvimento da autonomia dos jovens norte americanos de 1970 e os jovens de hoje. O estudo mostrou que os adolescentes de antigamente amadureciam psicologicamente mais rápido do que os adolescente da atualidade.

Na prática como enfermeira consigo ver bem nitidamente isso. Dentro da área da saúde, com as crianças, são avaliados principalmente dois parâmetros de maneira geral: o crescimento e o desenvolvimento. Podem parecer sinônimos, mas nos indicam padrões diferentes relacionados à criança. Crescimento é associado ao aumento físico, já o desenvolvimento é referente a ampliação das capacidades do ser humano.

O amadurecimento físico, acontece de forma cada vez mais precoce, em grande parte influenciado por hormônios sintéticos presentes na alimentação. Contudo, mesmo com a puberdade prematura, o amadurecimento psicológico realmente parece vir caminhando em lentos passos.

Pode ser um tanto quanto arriscado comparar duas realidades de países tão diferentes, mas algumas justificativas apresentadas pela matéria me chamaram a atenção, como o fato de os adolescentes sentirem mais insegurança ao enfrentar "o mundo adulto" e isso fazer com que eles escolham ficar na infância por mais tempo adiando os "prazeres" e "obrigações" da vida adulta. O fato de haver uma ausência maior dos pais devido a presença de ambos no mercado de trabalho e a redução da família não parecem ser motivos suficientemente sólidos para serem responsabilizados pelo "atraso" do amadurecimento. A ausência de uma educação básica familiar é a grande questão pra mim (e pais trabalhadores podem muito bem dar conta disso, já vi vários exemplos disso).

Concordo com a afirmação da matéria em que atualmente o jovem "enfrenta um mundo muito maior ao mesmo tempo que tem um suporte menor". Isso acarreta em uma falsa maturidade, e esse é um grande (se não gigante) problema, pois o jovem se vê como adulto, por sua idade, mas não é cobrado como tal. Para ele não são estabelecidas regras ou responsabilidades, fazendo com que por poder sair, gastar e transar se sinta adulto, mas aos jovens que estão lendo isso, sinto informar que isso não é ser adulto. E é daí que vem a maturidade, de testar, tentar, ter que fazer e resolver, ter que correr atras, gerar resultados, corresponder a expectativa, assumir responsabilidades...é com essa autonomia que se adquire a liberdade e a maturidade necessária para "o mundo adulto".

* Fonte: Reportagem O Globo. Quadro comparativo sobre engajamento de jovens dos EUA em atividades adultas.

Outra grande influência é o mundo virtual. Por mais que a internet e o mundo virtual de maneira geral, nos tragam grandes facilidades e tenham suas vantagens, ele também é uma das causas que afetam o amadurecimento do adolescente.

As redes sociais em 1970 eram redes sociais reais, verdadeiras e palpáveis, onde você realmente mantinha contato e estabelecia uma relação com as demais pessoas com quem convivia. Hoje pelo fato das pessoas estarem a apenas um clique que distância isso, contraditoriamente, promove um afastamento das pessoas, pois basta ver uma foto ou saber que se você mandar uma mensagem, a pessoa irá responder. Não é mais preciso enviar cartas, telegramas, descobrir um telefone ou mesmo fazer uma ligação. Em momentos de confraternização, as fotos dos pratos ou da turma são as maiores preocupações, mas não pela lembrança e sim para confraternizar justamente com quem não está lá ao seu lado e separou um tempo da sua vida para te ver e estar com você.

A maturidade vem, ela sempre chega, mas quando ela demora de dar as caras, precisamos rever algumas questões...

"Maturidade não é quando você começa a falar grandes coisas, é quando você começa a entender pequenas coisas".

Reportagem O Globo: https://oglobo.globo.com/sociedade/adolescentes-demoram-mais-para-amadurecer-do-que-ha-40-anos-21844981